Inspector João De Sousa da Polícia Judiciária, também conhecido por “Grande Mestre da Ordem dos Magos e dos Feiticeiros”

Estimado(a) Leitor(a), conforme prometido, passo a apresentar-me.

O meu nome é João De Sousa, sou Inspector da Polícia Judiciária, tenho 41 anos e estou preso desde 29 de Março de 2014 no estabelecimento prisional de Évora.

Estou preso preventivamente há 10 meses e um dia. 308 Dias. São 43 semanas!

Estou casado com uma mulher maravilhosa, corajosa. Sou Pai. Um vaidoso pai de uma “ninhada”, como carinhosamente os trato: a Maria Leonor (11 anos), a Maria Helena (8 anos) e o João De Sousa, mas conhecido por Jr. (8 meses).

O único dos três ao qual não assisti ao parto foi o pequeno João. Já estava recluído em Évora – há dois meses – quando ele nasceu.

O Jr. também é conhecido pelo “boquinha linda”!

Porquê escrever um “blog”? Para quê? Porquê só agora revelar a minha identidade, assumir a autoria destes textos?

O porquê é simples: Catárse e o receio, um medo sempre presente, de não ter oportunidade de dizer/esclarecer tudo!

Por mais elevado que seja o nosso índice de resiliência, independentemente de conhecer as idiossincrasias das pessoas (meus colegas) responsáveis pela investigação, ou mesmo de conhecer e reconhecer as “ regras do jogo “, descobri, aqui, que o pior que nos podem fazer é silenciar, é não permitir a nossa defesa, negar a contradição.

O verdadeiro horror é contraditar, expor as razões deste ou daquele comportamento, explicar uma frase escutada, descontextualizada, e observar que não relevam o que se declarou porque ancorados num preconceito, num estereótipo, num estado de alma, decidem a nossa reclusão!

Permita-me o meu Leitor que partilhe o que senti aquando do meu interrogatório perante o Juiz e o Ministério Público, que ilustre o sentimento que experimentei posteriormente perante dois colegas que me investigaram, e novamente perante o Ministério Público. Sim, porque fui interrogado três vezes!

Senti-me como Sócrates (entenda-se o filósofo) respondendo a Trasímaco.

O diálogo pode ser lido na “opus magna” de Platão, “República”.

Trasímaco após questionar Sócrates, impõem regras quanto à forma da resposta, o que de facto pretende Trasímaco é condicionar o filósofo, não permitir a explanação da sua argumentação, não deseja ouvir algo diverso do que é a sua convicção, tem receio do que possa Sócrates dizer!

Impõem Trasímaco: “ […] vê lá homem, não me digas que são duas vezes seis, nem que são três vezes quatro, nem seis vezes dois, nem quatro vezes três, que eu não aceito tais banalidades […]”

Trasímaco perguntou a Sócrates quantas vezes são doze!

Sócrates demonstrou que assim não valia apena o esforço para responder. Mas eu, respondi!

Respondi a tudo e expliquei todos os factos que apresentaram como fortes indícios.

Valeu a pena? Claro que sim!

Como escreveu Baptista Bastos: “pessoalmente, quando entendo que a razão me alimenta, pego no estadulho e vou a terreiro. É só!”.

Foi exactamente isso que fiz nos interrogatórios, é precisamente isso que estou a fazer agora, encontrando no meu acto presente a resposta para a questão antes colocada: “Para quê? Qual o objectivo deste “blog”? ”

O meu advogado, que durante este percurso ofertou-me inúmeras razões para o considerar pessoal e profissionalmente, desconhecendo a existência deste “blog” quando lhe comuniquei que este espaço existia e que eu era o autor, tendo decidido identificar-me, alertou-me, e bem, para o facto de que o que escrevo poder ser utilizado contra mim.

A minha mulher está apavorada mas apoia a decisão, amigos (não os “ambíguos” que tenho), verdadeiros amigos, agora que conhecem os textos, agora que sabem que decidi identificar-me partilham o receio e a preocupação da minha esposa.

É mesmo assim, tem de ser mesmo assim, não existe outra maneira!

Um homem é livre na exacta medida em que diz ao mundo aquilo que é a tradução dos seus valores, as suas palavras. A obrigação de ser livre gera angustia, a opção de construir algo valido, de não pactuar com o que considera errado, injusto, é ao mesmo tempo o fundamento de toda a acção. Optar por uma alternativa é aniquilar todas as outras. Este “excesso” que deveria ser direito primeiro, constitucional, gera medo.

Não deveria ser, nunca, factor de alienação da liberdade!

Só agora identificar-me. Porquê?

Porque não quero que pensem que somente após a decisão do tribunal da Relação relativamente ao meu recurso para alteração da medida de coação aplicada (decisão que aguardo há cerca de 3 meses!) decisão que pode ser contrária às minhas pretensões, só nessa altura, inconformado, revoltado, zangado com o decidido, resolvo “partir a loiça toda”.

Não quero que pensem que é uma questão estratégica, que só falei/escrevi após ser conhecido o conteúdo da acusação do Ministério Público – faltam 57 dias para o final do prazo para a acusação ser apresentada.

Isso seria calculismo, não coragem de dizer o que tem de ser dito!

Desde o primeiro momento que disse à minha Família e amigos que iria penar o tempo todo de todos os prazos! Sempre afirmei e reitero agora, que a minha acusação “sairá” na vigésima quarta hora do último dia. Até apostei um almoço!

Portanto, vou falar/escrever sem ocultar-me porque considero que uma Justiça que actua em segredo, não pode ser considerada Justiça. Não se esqueçam que sei do que falo: Eu estava do lado de lá das grades há 308 dias atrás!

Mas outra razão, maior, existe para eu me identificar: Eu sou de facto o “Grande Mestre da Ordem dos Magos e dos Feiticeiros” e devo agir como tal!

Mais importante do que ter louvores na Policia Judiciária (e eu tenho)  mais do que ser Inspector há 15 anos, mais do que ser membro convidado da Academia Americana de Ciências Forenses (o único policia português) mais do que ter sido Coordenador de pós-graduações, mais do que ser Doutorando em Ciência Politica e Relações Internacionais na Universidade Católica de Lisboa, mais do que ter salvo pessoas vitimas de sinistralidade rodoviária na Avenida da Liberdade, mais do que tudo isto e tudo o mais que possa existir, o que é mesmo importante é que para a Maria Leonor e para a Maria Helena De Sousa, o pai é o “Grande Mestre da Ordem dos Magos e dos Feiticeiros”.

Porque o pai faz magias, porque o pai ganha sempre no “Trivial Pursuit”, porque o pai aparece nas revistas a falar de ciência forense, porque o pai prende os maus e sabe coisas como “Tópsias” – é a maneira que a Helena tem de dizer autópsias – porque o pai é professor e tem alunos, porque o pai é o pai delas.

Mas, há uma semana, a Maria Leonor perguntou-me (em Janeiro!) se eu ia ficar preso outra vez no Natal. Mas, há uma semana, a Maria Helena perguntou-me se eu não queria ir para casa!

Antes de responder o óbvio – sim, claro! – tive de perguntar:

– Porquê, meu amor? Porque perguntas isso ao pai?!

– Porque se és o “Grande Mestre da Ordem dos Magos e dos Feiticeiros”, se não és mau, já devias de estar em casa!

Que doloroso “mas”, que dor!

Ter a noção que a nossa imagem foi arrasada pela imprensa, pela responsável da investigação que internamente propalou que “ um terrível monstro dissimulado medrava entre nós”, reconhecer que o esforço, depois desta “travessia no deserto”, para recuperar tudo não começará no zero, mas sim, no menos um ou menos dois, o que pode de facto devastar  um homem, um pai, é o facto de a sua “ninhada” colocar em causa o mais ambicionado dos reconhecimentos: ser, para eles, o “Grande Mestre da Ordem dos Magos e dos Feiticeiros”!

Esta é a razão mais forte para abertamente escrever!

Outra razão também existe. Uma dívida que tenho, não sabendo se algum dia a conseguirei saldar. É um dever que tenho, de gratidão: Lassalete Guerreiro.

É o nome de uma mãe que perdeu um filho – o Tiago – consequência de uma agressão. O Tiago foi assassinado, eu investiguei, o autor foi preso.

A “Lassa” (como carinhosamente a trato) ao saber da minha prisão, através da “internet”, lançou uma petição para que junto das autoridades, com as assinaturas, pudesse o decisor permitir que eu aguardasse o julgamento sujeito a prisão domiciliária.

Como é característico desta “mãe coragem”, multiplicou contactos, reuniu-se com pessoas, desmultiplicou-se em acções várias, para aumentar o número de peticionários. Até hoje não falámos directamente. Pois bem: “ Obrigado, Lassa! Temos de agendar a visita que eu protelei ao máximo.”

Obrigado também aos outros familiares de vítimas, colegas, amigos, alunos e a todos os desconhecidos que vão assinando a petição. Grato ainda por todas as cartas de apoio que recebi aqui, neste lado das grades.

A revelação da minha identidade é também uma forma de retribuir com coragem a coragem demonstrada por todos aqueles que apoiaram a petição, não relevando o que noticiaram os “média”, sopesando apenas aquilo que conhecem diretamente do Inspector, do colega, do professor, do aluno, do homem João De Sousa.

No meio desta tormenta, marcado por tudo aquilo que “de muito mau” já experimentei aqui, existe força, esperança, optimismo!

Nelson Mandela disse: “ Um optimista tem sempre um rosto virado para o sol e um pé em movimento para diante.”

Agora, neste preciso momento enquanto escrevo, o sol começou a aquecer-me a face através das grades da janela da minha cela.

Apesar de terem retirado na totalidade o meu ordenado, sem ter sido condenado em processo disciplinar na P.J. ou ter sido condenado no âmbito do processo pelo qual me encontro preso preventivamente (sem ordenado desde Junho de 2014) conquanto a minha mulher não ter sido ainda colocada – ela é Educadora de Infância – encontrando-se desempregada, ainda que o camarada de reclusão, Eng. José Sócrates, apresente uma providência cautelar por causa de umas botas, e tem-nas agora calçadas porque daqui o estou a ver a passear no pátio, e eu que apresentei providência cautelar relativamente ao meu ordenado, ainda não obtive resposta (continuando sem ordenado desde Junho de 2014), apesar de me ter sido negado um Habeas Corpus muito antes de os Habeas Corpus serem notícia, apesar de ter denunciado ao Juiz e ao Procurador, com provas materiais para apresentar, o crime de violação de segredo de justiça no meu processo (isto há cerca de 7 meses) e de ambos nada terem feito até agora, apesar de todos estes pesares, sou um optimista!

Sem ordenado, mulher desempregada, três filhos, sem todo o ouro e dinheiro que diziam eu ter (quando aparecem notícias sobre o meu caso é sempre o “Ex-Inspector da P.J. do ouro”, designação errónea porque ainda sou Inspector da P.J. e o ouro nem vê-lo!), Mário Draghi decide e a taxa Euribor entra em queda, logo os juros dos meus empréstimos descem, logo o valor das prestações é menor. O barril do petróleo negoceia a menos de 50 dólares, logo o gasóleo mais barato, logo deslocações da Família a Évora menos dispendiosas!

O copo para mim está sempre meio-cheio! Engasguem-se!

Winston Churchill ensinou-nos: “Sucesso consiste em seguir de falhanço em falhanço sem perder o entusiasmo!”

Ainda que os meus colegas e a coordenação (investigação) a tudo aquilo que eu chamo causa, entre eles, designem por culpa, mesmo assim ainda aqui estou. Optimista. Pronto. Determinado.

Determinado a apresentar os meus argumentos, a revelar o que eu acho da prisão preventiva, da reclusão, da P.J., da Justiça. Pronto para responder a questões que desejem colocar neste espaço.

Optimista porque muita gente me apoia. Optimista porque só faltam 57 dias para conhecer a minha acusação.

Optimista e seguro porque sei o que fiz e o que nunca fiz ou farei!

Optimista porque independentemente de tudo isto, consegui, há uma semana atrás que antes da visita terminar as minha filhas dissessem, enquanto o Jr. sorria, “nós vamos estudar e ajudar a mãe com o mano, porque queremos ser como tu: “Grandes Mestres da Ordem dos Magos e dos Feiticeiros”!”

Até para a semana!

(30 de Janeiro de 2015)

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