Homicídios e a Polícia Judiciária: confissão, confusão, sem explicação.

Sei que afirmei aqui neste espaço que aguardaria pelo esclarecimento devido por parte dos responsáveis: tribunal e investigação (Polícia Judiciária).

Falo-vos da tremenda e inquietante confusão que a confissão de Artur Gomes da autoria do homicídio pelo qual se encontra preso Armindo Castro – pena de 12 anos – gerou.

Não vou aguardar mais e melhor esclarecimento porque o que vi e ouvi é demasiado incómodo, desanimador, ainda que, infelizmente, venha reforçar aquilo que tenho vindo a expôr sobre a Justiça em Portugal e os seus protagonistas: Juízes, Ministério Público e Polícia Judiciária.

Novamente atentos ao acessório, ao comentário fácil (pouco ou nada informado) à encenação de hipóteses sem qualquer sustentação lógica ou cientificidade, desconhecendo o normativo legal, assistimos a uma sucessão de comentários e notícias que nos leva a questionar com propriedade: “Será que eles sabem o que fazem?”

As televisões passaram imagens da “CMTV”, mais precisamente o espaço informativo da “TVI”, “Diário da Manhã”, no dia 30 de Outubro de 2014, onde era oferecido ao telespectador observar um sujeito visivelmente condicionado, dando indicações ou confirmando de forma insegura o que era solicitado a dizer por parte de dois indivíduos, cuja imagem da face estava distorcida, identificados na peça jornalística como sendo dois Inspectores da Polícia Judiciária.

A acção decorre numa habitação, local onde o sujeito se encontra na presença dos dois Inspectores que visivelmente “conduzem os trabalhos” – eufemismo para “condicionamento do testemunho do arguido”!

Capitulo V, Da reconstituição do facto, artigo 150.º do Código Processo Penal Português.
Artigo 150.º (Pressupostos e procedimento)

  1. Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo.
  2. O despacho que ordenar a reconstituição do facto deve conter uma indicação sucinta do seu objecto, do dia, hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efectivação, eventualmente com recurso a meios audiovisuais. No mesmo despacho pode ser designado perito para execução de operações determinadas.
  3. A publicidade da diligência deve, na medida do possível, ser evitada.

Atentem no número 2 do artigo anteriormente citado, nomeadamente: “[…] 2. O despacho que ordernar […]”.

Percebem agora que os advogados que também fazem parte da Justiça, aqueles que devem exigir mais porque, supostamente, mais informados, não solicitam/exigem maior rigor e cientificidade à investigação, mantendo-se deste modo o status quo, não se verificando evolução na investigação, porque não contestada com saber, alimentando-se o “ciclo vicioso da ignorância e incompetência” a que me referia no texto que redigi sobre o “caso Meco e o seu advogado”.

Somente o Ministério Público pode ordenar, vertido em despacho, a realização de reconstituição do facto, sendo a diligência em apreço – video – gravação realizada pela P.J. – nula!

O advogado em fase de inquérito, durante o julgamento, mesmo agora após toda esta confusão, nunca veio alegar a nulidade do acto!?

Acompanhem-me mais um pouco neste exemplo ficcionado, por favor!
O meu Caro(a) Leitor(a) é Inspector da Polícia Judiciária.

Desloca-se à esquadra da P.S.P. onde se encontra um indivíduo do sexo masculino detido porque matou a sua companheira, recorrendo a uma faca de cozinha, no meio da via pública da nossa invicta cidade.

Chegado às instalações da P.S.P., após agradecer o trabalho dos colegas (fica sempre bem) o detido passa a ficar à guarda da P.J., faltando agora recuperar o objecto utilizado na agressão mortal: a faca de cozinha.

Possuidor de uma capacidade superior para a realização de interrogatórios a homicidas motivados pelo ciúme, o “Inspector Leitor” consegue “extrair” do homicida que este colocou a faca num contentor do lixo.

Presciente, antecipando uma qualquer inversão da disposição do agressor para colaborar – nestes casos os homicidas passam por uma “montanha-russa” de emoções – o excelente profissional forense vai “cristalizar” a informação prestada pelo sujeito, por forma a munir o Ministério Público (M.P.) de factos/prova/argumentos que permitam ao mesmo promover junto do Juiz de Instrução a medida de coacção adequada.

Assim, após indicação do homicida, agora arguido, o “Inspector Leitor” vai fotografar o percurso e o local exacto onde este depositou a faca, fotografando inclusive o sujeito a retirar o objecto. Mais tarde, antes de apresentar o inquérito ao Ministério Público, ilustrará as fotografias, reduzindo tudo a auto onde relatará a diligência realizada.

Não se trata de uma reconstituição do facto! Trata-se de uma diligência processual, possível de realizar legalmente pela P.J., diligência que vai permitir o seguinte:

  • Cristalizar o relato/testemunho do arguido, ainda que este mais tarde se remeta ao silêncio (aqui sim se pode afirmar que somente quem assistiu ou praticou o acto é que pode saber onde estava a faca. Não se pode fazer o mesmo quando vemos as imagens da CMTV na televisão, porque o que observamos é um indivíduo condicionado a seguir as indicações da P.J.).
  • Mais tarde, já com o despacho do Ministério Público, a reconstituição do facto já tem como que um guião, útil e idóneo, porque realizado pouco depois do sucedido, sem alterações de memória ou alterações estratégicas objectivando a defesa do autor material do homicídio!

O que os “primos janotas” (Polícia Judiciária) fizeram foi uma diligência que enferma de nulidade, gravando e dessa forma demonstrando a incapacidade da recolha do testemunho, porque induzem visivelmente o arguido, provando-se também através da gravação a ausência do defensor do mesmo (não se trata de saber “onde estava o Wally?” mas sim “onde estava o advogado?”).

Não coloquem agora questões ridículas ou profiram afirmações desprovidas de fundamentação: “Fizeram desta maneira porque queriam ajudar o sujeito?”, “Devem ter interesses ocultos!”, “Eles ganham por cada prisão que fazem?”, “Têm de mostrar estatística!”.
Nada disso! Simplex sigillum veri, ou seja, a simplicidade é a marca da verdade, ou seja: eles são simplesmente incompetentes!

Então e o Ministério Público? Então e o Juiz ou colectivo de Juízes (três cabeças a deliberar) que condenou o homem?

Para responder a essas questões lembrem-se que o Ministério Público é o dominus (senhor) da investigação mas a Polícia Judiciária possui autonomia logística e táctica.

O M.P. na maioria das vezes só adquire conhecimento informado do processo quando este é presente aquando do momento da detenção de alguém. Nessa altura, com um prazo de 48 horas, o Magistrado vai se inteirar de meses (por vezes anos) de investigação, através da leitura de um relatório final elaborado pela P.J.: são 100, 200 ou mesmo mais de 300 páginas condensadas num relatório que por vezes não apresenta mais do que um folha e verso! Acreditem!

No lacónico relatório da P.J. o Ministério Público vai buscar argumentos para promover junto do Juiz de Instrução as medidas de coacção que considera válidas, decidindo o Juiz de acordo com o despacho do M.P. que sustenta-se no lacónico relato da P.J.!

Estão a ver o erro e a omissão a medrarem desde o início.

As investigações estão na Polícia Judiciária durante meses. O Ministério Público é informado via fax do decorrer da investigação. Um fax que laconicamente diz algo do género:

“A investigação continua presentemente, não tendo sido possível concluir a mesma entretanto, pelo que se solicita agora prorrogação do prazo”

E o M.P. prorroga sem conhecer o que está feito ou falta fazer!
Percebem agora!?

“E as lesões no cadáver da senhora?” “E a bota não bater com a perdigota!?” (afirmação da mais elevada sapiência proferida num qualquer canal televisivo, por um dos inúmeros “cogumelos comentadores”. São como fungos!)

Vou deixar esta questão para depois. Já vai longa a dissertação!
Vou só levantar um pouco o véu: sabem quem faz as autópsias em Portugal? Sabem como são estes peritos formados? Sabem que os peritos que realizam as autópsias, por lei, têm de estar presentes no local do crime e não comparecem? Sabem que os “primos janotas” (P.J.) vão ao local do crime mas depois não vão às autópsias, perdendo-se informação indispensável para uma profícua conclusão sobre as causas de morte?

Meu Caro(a) Leitor(a), como é triste o estado da Justiça em Portugal.

Espero que tudo se esclareça. Espero que o indivíduo não tenha estado preso injustamente!
Espero…

Sic transit gloria mundi.

(30 de Outubro de 2014)

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