Como a Justiça funciona por cá: uma peça ficcionada (Parte II)

Tínhamos ficado com a imagem dos “cabacelli”, os peixes minúsculos para ilustrar como é possível encetar-se um percurso investigatório, unicamente porque o “chefe máximo das forças mínimas”, descerebrado, contraria a regra primeira deste oficio, a saber: só se deve recorrer ás hipóteses inteligentes depois de se terem explorado as infinitas possibilidades do óbvio!

E o que era óbvio na nossa trágico-comédia à beira-mar vivida?

José Pedro Cobra, advogado, tem na “net” um vídeo delicioso, gravação realizada durante a “TEDxCascais”, com o título “Tira-se o Hífen”, onde o mesmo relata o seguinte diálogo entre dois quaisquer indivíduos que para nosso proveito vamos até considerar que são os “primos janotas” responsáveis pela investigação. Escutem!

– Olha o Asdrúbal! Magro, não gordo! E baixo, não alto!
– Eu não sou o Asdrúbal! – surpreso
– Incrível! Até mudaste de nome!

Aqui é óbvia a estultícia tremenda de alguém que queria ver no seu interlocutor o Asdrúbal, na investigação foi óbvia a brutal inépcia na abordagem daquele que era o garante de um relato vivido, idóneo (ou não, depois se veria) do que realmente sucedeu junto ao mar. Falamos do único sobrevivente.

A verdade é brevissima, depois é só comentário. Atrasados no momento de entrada em cena – entenda-se na investigação – a Polícia Judiciária a seguir atrasa-se no desempenho do seu papel, e procrastina de forma incompetente a abordagem ao indivíduo que a tudo assistiu.

Porquê? Como a verdade é breve e depois somente resta o comentário, ouvir-se-á que são interesses obscuros, forças de pressão. Os comentadores de serviço de uma qualquer “Manhã da Maria” ou “As suas manhãs” (cuja audiência televisiva é enorme, não sei se por causa da sapiência das suas palavras ou se porque está a ser ofertada quantia generosa em dinheiro se uma chamada para o “600-qualquer-coisa-mais” se fizer) estes comentadores da vacuidade, farão a sua prestidigitação e de forma teatral as suas reticências sobre a verdade final que garantirá a verdade das suas vazias premissas.

Algo deste calibre:

– Eu sei que estava alguém mais na praia. – Diz uma das bocas comentadoras.
– Quem, e como sabes? – interroga o(a) apresentador(a)
– Bem, não o posso dizer mas sei. Sei porque… – interrompido
– Desculpa! Era só para dizer que acabou o jogo de casa! Continua! – esboçando sorriso.
– Sei porque tenho fontes e para a semana falaremos disso.

Estes que antes escutámos ainda têm desculpa, estão a dar espectáculo, não fazem serviço público ainda que propalem o contrário. Agora a investigação, senhor! O Ministério Público e a Polícia Judiciária que pobre espectáculo apresentaram.

Não se trata de pressões de instituições de ensino, não foram governantes amigos de alguém, foi somente ignorância e incompetência, senão vejamos:

– Porquê tanto tempo para falarem com o sobrevivente? Porque não dispondo das ferramentas necessárias para uma profícua inquirição do mesmo protelaram.

Circulou que não constituíram o sobrevivente arguido porque dessa forma o mesmo remetia-se ao silêncio, muito bem, realizavam inquirição e dessa forma cristalizavam um testemunho que permitisse trabalhar a vertente pericial. Como podem solicitar perícias ou fazer reconstituições sem uma atempada recolha do testemunho mais importante?

– Como é possível que às roupas que agora (na nossa peça teatral) estão a causar tanta controvérsia não foi dado um tratamento competente, ou seja, como não foi garantida a custódia da prova?

É simples. Quando não se colocam as hipóteses de investigação de forma inteligente e de forma congruente, quando se trabalha sem plano, de forma impulsiva, fica sempre algo por fazer correctamente.

Debrucemo-nos sobre este ponto: As roupas do sobrevivente.

Como é lógico esta prova está comprometida porque não foi processada devidamente,  basta referir que mais estranho que o vestuário estar molhado passados meses, é o facto de a roupa não ter sido exposta para secar aquando da realização das perícias – procedimento usual porque não precisa um laboratório forense que a roupa esteja molhada para recolher amostras da mesma.

Tudo bem, mas estava molhada! Que pericia foi realizada? Um exame que indicou que era água do mar o líquido que ensopava as roupas. Mas agora nova questão surge: foi a roupa imersa em água do mar, agora?

Somente agora para provar que o sobrevivente ainda tentou um salvamento ou também foi capturado pelo mar?

De novo deficiência da investigação: falta de presciência e ignorância!

O exame devido não era aquele que apurava se as roupas tinham sal, ou melhor, sal marinho. O que deveria ter sido solicitado era um exame pericial que confirmasse a presença de diatomáceas.

Diatomáceas são algas unicelulares de tamanho microscópico que apresentam uma multiplicidade de formas e colonizam um vasto leque de habitats, desde água doce e oceanos a terra húmidas ou solo.

Coisa de C.S.I.? Só no estrangeiro? Não Estimado(a) Leitor(a), a frase anterior é retirada da dissertação de Mestrado da Universidade de Coimbra, Portugal, pelo Mestre Bruno Américo Cortesão Faria, em 2013!

Certo, mas possivelmente não se aplica ao caso em concreto, dirá o meu carissimo leitor. Errado. Aplica-se mesmo, basta ver um “case report” de Julho de 1991 (como estamos atrasados Portugal): “Forensic Limnology: The use of freshwater algal community ecology to link suspects to an aquatic crime scene in southern New England”.

Trata-se de um estudo de diatomáceas realizado e que permitiu colocar os agressores de dois rapazes que junto a um lago pescavam.

Querem saber se o sobrevivente esteve mesmo dentro de água na fatídica noite? Querem apurar se, por qualquer cabala misteriosa, mergulharam só agora as roupas na água do mar e em que mar? Venham as diatomáceas!!!

Pretendo com isto demonstrar que a investigação não tem interesses ocultos, não tem agenda, não tem maldade porque o mal é inteligente, a investigação é apenas ignorante.

Não acreditam? Acham que foi o corporativismo que permitiu a “prima janota” Inspectora Ana Saltão não ser condenada? Não! Foi a incompetência. Quem é que fotografa vestuário onde presumivelmente podem estar vestígios de disparos de arma de fogo (pólvora) no chão? Os mesmos que não tratam a roupa do sobrevivente e a encontram meses depois molhada. Os mesmo que consideramos uma das melhores polícias do mundo, não possuem os conhecimentos técnico-ciêntificos para colocarem hipóteses inteligentes e solicitarem os exames periciais devidos. Os mesmos que confirmam a hipótese/postulado de Abraham Maslow, i.e, se a única ferramenta que possuímos for um martelo, iremos tratar tudo como se de um prego se tratasse. A investigação e quem a dirigiu parecia muitas vezes um martelo à procura de um bom prego, mas apenas conseguiu acertar nos dedos.

Na quarta-feira 15 de Outubro, vi na televisão que o “Processo Meco” foi reaberto.

Está no tribunal de Setúbal. O sobrevivente vai ser constituído arguido.

Agora vão investigar. Será a P.J. de novo? Serão os mesmo investigadores?

Como pode existir garantia de que tudo será feito correctamente?

A investigação e quem a conduziu foi omnívora, qual animal omnívoro, na procura da verdade material dos factos alimentou-se de tudo, foram horas  e horas de dedicação ignorante e improducente, um “rombo” no erário público, para agora nada se saber.

Estou a ser injusto. No relatório final da investigação podia-se ler que foi o destino! O destino em pleno séc. XXI, o destino depois do Iluminismo, o destino após a descoberta do ADN, o destino quando já se alcança Marte.

Belo povo, povo do fado, fado que não é mais que o Destino, não vamos aceitar mais esta, até porque triste fado estão agora a viver as famílias.

Quanta estultícia, grave ignorância, impune incompetência.

Deixo-vos com as palavras de Michael Maier (1618):

“Quem tentar penetrar no roseiral dos filósofos sem chave, parece um homem que quer andar sem pés”

Até para a semana!

(18 de Outubro de 2014)

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