Elevados indices de estupefacção apresentaram os portuguesas quando se depararam com a notícia da prisão de José Sócrates. A maioria mas não todos!
Cerceados pelo espanto, no turbilhão de comentários, no meio de incontáveis directos televisivos, no meio de tantas dúvidas e perguntas, ninguém até ao momento se questionou relativamente ao facto de a Polícia Judiciária, orgão de polícia criminal responsável pela investigação (responsabilidade exclusiva) dos crimes que foram imputados a José Sócrates, não ter sido a mesma a investigar, não tendo prestado qualquer colaboração na investigação!
Estranho facto que à maioria dos comentadores e outros mais passou sem reparo.
Qual é a razão?
Recuemos no tempo.
No seguimento de denúncia anónima, corria o ano de 2004, a Polícia Judiciária iniciou uma investigação, através do seu departamento de Setúbal, coordenado pela inspectora-coordenadora Maria Alice Fernandes: o conhecido (obscuro) “Caso Freeport”!
Surgindo a suspeição durante a investigação de que José Sócrates recebia subornos, este nunca foi inquirido (quanto mais constituído arguido) por forma a esclarecer o seu envolvimento no caso. O processo foi terminado em 2012.
Charles Smith e Manuel Pedro – Intervenientes no processo – foram absolvidos, o que tem a sua lógica: sem corruptores não existem corrompidos!
A Polícia Judiciária (ou melhor, a sua direcção) permitiu que um pequeno departamento, com uma coordenação reconhecidamente falível (trata-se de um piedoso eufemismo) meios insuficientes e Inspectores sem a preparação técnica necessária, investigasse aquele que muito provavelmente foi o mais importante processo, pós-25 de Abril de 74, até à “Operação Marquês”!
Trata-se de uma decisão da hierarquia máxima da P.J. que permite a realização de um excelente “Case Study”, ilustrativo do que é uma má gestão e do que são tomadas de decisão e delegação de competências profundamente erradas!
Autênticos fenómenos inexplicáveis dignos da localidade do Entroncamento verificaram-se durante a investigação por parte do departamento de Setúbal: a paragem não explicada da investigação durante mais de um ano; o esgotamento dos inspectores que investigaram; a perda de relatórios e outras peças processuais do inquérito, divergências (insanáveis) entre os magistrados e a coordenadora responsável pela investigação, e até “traições” à mesma coordenadora por parte de investigadores (inspectores da P.J.) escolhidos por esta para a coadjuvar.
Durante a fase “mais quente” da investigação do “caso Freeport”, era conhecida a posição irredutível da referida coordenadora que afirmava a “pés juntos”, estridentemente, que o então primeiro-ministro não era corrupto, acrescentando no mesmo tom que prestava um serviço inestimável à instituição P.J., digno de louvor e crachá de ouro, por travar os ímpetos investigatórios dos Magistrados e dos seus Inspectores que nunca perceberam o desmesurado fascínio que a senhora Inspectora-Coordenadora nutria pelo engenheiro!
Afirmando várias vezes que a Polícia Judiciária no futuro teria que agradecer o “sensato travão” que colocava na investigação, acção que alegadamente protegeria a imagem da P.J., mais uma vez (para quem a conhece) errou redondamente, desprestigiando a instituição, desprestigiando-se a si, alimentando o sentimento de descrédito dos portugueses pela Justiça!
O Estimado(a) Leitor(a) questiona-se agora sobre a idoneidade da Polícia Judiciária, do departamento de Setúbal ou mesmo da coordenadora Maria Alice Fernandes, certo?
Vamos falar abertamente: a P.J. é uma instituição corrupta? A coordenadora Maria Alice Fernandes é corrupta?
Não possuo elementos suficientes que permitam afirmá-lo, mas posso dizer o seguinte:
De certeza que é incompetente. Ambas!
Senão vejamos. José Sócrates está indiciado, entre outros, da prática de crime de corrupção passiva, logo, conforme se pode ler no artigo 373º do Código Penal, “[…] o funcionário […]”, ou seja, somente um funcionário no exercício das suas funções é alvo de corrupção, passível de ser corrompido. Assim sendo, José Sócrates enquanto Ministro do Ambiente e do Território ou Primeiro-Ministro deixou-se corromper, ou promoveu, solicitando algo, a sua corrupção.
Pode-se facilmente inferir que à data do “caso Freeport”, se não se tivessem verificado algumas “travagens estratégicas”, não estaríamos hoje a ouvir falar do “caso Marquês”.
Reiteramos, não é corrupção é apenas (e não é pouco) incompetência!
A mesma incompetência que se verificou anos depois no “caso Meco”: o mesmo departamento, a mesma coordenação!
Ora aqui está a razão, caro(a) Leitor(a). A P.J. não “tocou na massa” na investigação e sequente detenção de José Sócrates porque anteriormente revelou-se incompetente (no mínimo).
Incompetência que pode alimentar a suspeita de facilitismo, laxismo, impreparação ou corrupção na Polícia Judiciária.
Como podem os “primos janotas” reivindicar mais e melhores condições, melhor ordenado ou a manutenção da instituição P.J. como a conhecem agora? Como podem reivindicar que não desejam a criação de uma polícia única, nacional, alegando que ainda são a garantia da capaz realização da Justiça em Portugal?
Mais de cinquenta buscas, inquirições várias, interrogatórios sem a participação da P.J.!
Escutas telefónicas cujo controle não foi realizado pela P.J.! (Que dirá a Ministra da Justiça sobre este facto?)
A Procuradoria-Geral da República deixou a P.J. de fora da investigação!
A nossa Polícia Judiciária serve apenas para algumas investigações mas não para a mais importante investigação criminal alguma vez realizada em Portugal!
A arte de “bem delegar” é sinónimo de excelência na liderança.
A direcção da Polícia Judiciária não soube delegar. Permitiu que funcionários sem preparação executassem. Permitiu que indivíduo reconhecidamente incapaz fosse responsável pela coordenação.
Como diz nos sábio povo: “Juntou-se a fome com a vontade de comer!” E não entenda o meu Querido(a) Leitor(a) que ao escrever “comer”, quero com isso significar que alguém lucrou com as “travagens estratégicas” da investigação. Não! Nada disso.
Apenas quem coordenou não dava para mais!
(29 de Novembro de 2014)