“Sheol e a fuga dissociativa do Dr. Orlando Figueira”

Liberdade daqui a: 853 dias!

Sheol. Palavra hebraica, o “Túmulo”. A “cova”. A “terra do esquecimento”. O local onde se verifica a “interrupção da vida”.

De acordo com a religião dos judeus, o Judaísmo, trata-se do local mais distante do Céu, o local onde os mortos são abandonados para sempre; aqui experimenta-se uma inexistência; apenas a sombra do antigo ser sobrevive na exígua escuridão, partilhando o espaço com outras sombras.

Sombras impotentes habitam o Sheol: “Tudo o que puderes fazer, fá-lo enquanto tens forças, porque no mundo dos mortos, para onde vais, não existe acção, nem pensamento, nem ciência, nem sabedoria” (Ecl., 9,10)

“Sou visto como quem desce à sepultura, tornei-me homem sem forças, tenho a minha cama entre os mortos, como as vítimas que jazem no sepulcro, das quais já não te lembras” (SL, 88,5-6)

Impotência, desespero, esquecimento, dor, sofrimento…

A característica essencial das Perturbações Dissociativas é a disfunção das funções normalmente integradas da consciência, memória, identidade ou percepção. A perturbação pode ser súbita ou gradual, transitória ou crónica. Incluem-se nesta secção as seguintes perturbações: […] Fuga Dissociativa: caracterizada pelo afastamento súbito e inesperado de casa ou do local habitual de trabalho, acompanhado pela incapacidade de recordar dados do passado e por confusão acerca da identidade pessoal ou por assunção de nova identidade” (in DSM-IV, Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, “American Psichiatric Association”)

A primeira vez que ouvi falar do Sr. Procurador, Dr. Orlando Figueira, foi assim mesmo: apenas o ouvi! Estava fechado numa cela no Estabelecimento Prisional junto à Polícia Judiciária, em Lisboa, isolado, e, a meio da noite, ouvi alguém que estava a ser fechado numa cela ao lado da minha a dirigir-se, nervoso e inseguro, ao guarda:

– E se eu sentir-me mal? O que faço? – ansioso.

– Bata à porta! – enquanto indiferente, frio, o guarda batia com a porta da cela e rodava a chave.

Só conheci pessoalmente o Dr. Orlando Figueira, quando, no final dessa mesma semana, regressei ao “Sheol” reservado às forças policiais e outras entidades – ex-primeiro ministros, ex-directores do SEF ou Magistrados.

Outro recluso pediu-me para falar com o Sr. Orlando porque o mesmo estava “em baixo”.

Conversámos e, o que é absolutamente normal e natural nestas ocasiões, o ânimo era nenhum, a força esgotada e os pensamentos de desespero abundavam, com hipóteses de resolução pouco cristãs/católicas porque atentavam contra o próprio. Orlando Figueira era a viva imagem de “Job” mas sem a aceitação incondicional e serena dos desígnios superiores do Criador!

O convívio na miséria da nossa cova comum estreitou contactos e partilha de ideias, sentimentos, revolta.

Orlando Figueira, amiúde deslocava-se ao meu “jazigo” e solicitava que o auxiliasse na leitura e exegese da Bíblia. Figueira, consequência da sua situação presente, notória e publicamente (contrariamente ao que Jesus prescreveu conforme sua indicação relativamente à relação com Deus: Mateus, 6, 5-15) aproximava-se do Senhor, relevando mais o lado espiritual e metafísico da sua existência e estatuto de arguido no âmbito do processo que o mantinha preso preventivamente, do que a análise racional, introspectiva, jurídico-penal da sua situação. Era recorrente ouvi-lo dizer: “ Deus no fim esclarecerá e demonstrará a verdade!”

Mas os dias passaram, as semanas os seguiram e sem se aperceber, o Dr. Orlando Figueira já media a sua temporalidade através do resultado da soma dos meses.

A evolução foi fascinante: o desespero primevo foi substituído pela descoberta do Divino, a aproximação a Deus concedeu-lhe a graça da aceitação, a aceitação teve que ceder o seu lugar à revolta, consubstanciando-se a mesma no recurso a formas mais terrenas de luta!

Orlando Figueira que desprezava o “Correio da Manhã”, solicitou a minha ajuda para ser noticiado o tratamento desumano, a imposição de regras que atentavam contra a sua dignidade, como por exemplo, o facto de não permitirem ao recluso Figueira possuir molas para a roupa na sua cela; o facto de não permitir, o Director à data, a entrada dos medicamentos que necessitava devido a um aneurisma cerebral ao qual foi operado em 2013, assim como viu negada a entrada de alimentos que os seus familiares traziam aquando das visitas.

Orlando Figueira também sofreu por causa da imposição dos 5 minutos para realizar telefonemas; penou com a comida intragável; revoltou-se com o tratamento que dispensavam a si e aos seus quando o visitavam.

Todas as semanas eu era colocado no Estabelecimento Prisional junto da P.J. em Lisboa, isolado, sem direito a pátio (luz do sol) porque estava numa prisão que não era para polícias.

Quando regressava, o Dr. Orlando Figueira tinha experimentado o seu “Inferno” em “Ébola”, e, tão dorido quanto indignado, relatava-me o sucedido, apresentando-me tópicos por si manuscritos para que eu, porque era (e sou) delegado da APAR (Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso) desse o nome e encabeçasse a “luta”, enviando cartas às entidades responsáveis pela Justiça em Portugal: “Acho melhor ser o João porque é Delegado da APAR mas eu apoio-o!” – dizia-me o bom Orlando.

Conforme escrevi neste espaço, em 27 de Junho de 2016 (texto “Quis, quid, ubi, quibus, auxilius, cur, quomodo, quando”) quando soube que o Dr. Orlando Figueira viu alterada sua medida de coacção (foi para casa com pulseira electrónica): “[…]Estimado Orlando, não vou cobrar o almoço devido, vou cobrar a promessa de acção cívica futura por parte de V. Exa., no sentido de denunciar as contradições e iniquidades da Justiça Portuguesa […] Expectante, atento, cobrarei, não o almoço, mas a palavra que timidamente se confirmou em algumas acções […]”

Escrevi (há um ano praticamente) estas palavras porque Orlando Figueira, recluso, confessou-me: “Não imaginava que o sistema prisional, a Justiça em Portugal, fosse assim!”

Relembro: o Dr. Orlando Figueira é Procurador, Magistrado do Ministério Público!!!

Escrevi (há um ano praticamente) aquele texto porque o Dr. Orlando Figueira, possivelmente arrebatado pela leitura das palavras e obras de Jesus Cristo, ou, febril por causa da dor que a reclusão o obrigava a experimentar, garantiu-me, o que cinicamente considerei um devaneio: “João, vou fundar uma associação cristã de apoio ao recluso, a ACAR!”

Orlando, vendo o meu Calvário – todas as semanas transferido para outra prisão durante o Julgamento, a duração da minha medida de coacção, os problemas que experimentei por escrever, denunciar, etc. – preocupava-se com a sua situação: “Será que também vão transferir-me quando for o meu Julgamento?”; aconselhava-me: “ João, não escreva, ou se escrever não identifique as pessoas!”

Orlando partilhava a sua dor: “João, o meu filho vai viajar, vai frequentar o curso e eu não posso estar com ele no aeroporto!” Eu nunca tinha visto o meu, e ainda não vi, a brincar em casa: quando ele nasceu já estava em prisão preventiva!

Orlando que nunca se viu obrigado a partilhar a cela com ninguém, compreendia, à distância, o que sofriam e sofrem, outros que aqui ainda estão!

Orlando conhecia o desespero, à distância, daqueles que não têm ordenado porque estão presos preventivamente há 3 anos e 2 meses!

Orlando sabia e sabe que os reclusos são obrigados a comprar comida, para não passarem fome!

Orlando sabe que a minha mulher, assim como os familiares dos restantes reclusos, faz mais de 300km, para que eu possa ver os meus, e ainda, gasta dinheiro em comida deixando mais dinheiro para eu poder comprar artigos de higiene, pois o Estabelecimento Prisional não faculta!

Orlando sabe que passamos frio/calor e que a televisão fomos nós que a comprámos, sendo que se queremos proteger o nosso corpo do frio temos que dormir vestidos!

Orlando sabe que aqui morreu um homem consequência da falta de assistência!

Orlando sabe que isto é o Sheol, que ninguém quer saber dos que por aqui tentam sobreviver!

Orlando sabe como se coloca e mantém aqui o indivíduo, consequência de um relatório da P.J., promovido pelo Ministério Público, confirmado por um Juiz!

Orlando sabe que se pode ir para casa com um despacho tão inacreditável como aquele que decretou a alteração da sua medida de coacção: “[…] Quanto ao perigo de fuga, os desembargadores acreditam que a sua “formação cultural” e o facto de ter sido “Magistrado do Ministério Público”, faz com que Orlando Figueira seja “um cidadão com responsabilidades acrescidas e deveres acrescidos”. Por isso mesmo, a Relação de Lisboa tem a convicção de que o Magistrado ficará em Portugal para “afirmar e comprovar a sua invocada inocência, com o consequente refazer da sua imagem e credibilidade social.

Todos os outros, “não-Magistrados”, são estultos incultos, sem responsabilidades; “não-Magistrados” que não desejam afirmar e comprovar a sua invocada inocência e refazer a sua imagem e credibilidade social!!!!

Perdoem-me o vernáculo (Leonor, Helena, Jr.: isto não é para repetir), perante tudo isto, atendendo ao facto de o Orlando conhecer e saber que o “Sheol” existe, que MERDA é esta: “Exclusivo. Operação Fizz. Procurador quer voltar à prisão de Évora. Detido em casa e com todo o dinheiro apreendido, Orlando Figueira não consegue viver sem ajudas. O ex-Magistrado pediu ao Tribunal para regressar à cadeia (in revista “Sábado”, edição de 18 de Maio de 2017).

Reitero: “Que MERDA é esta?!?

Todos têm direito à defesa. Todos podem defender-se como muito bem entenderem!

Explorar lacunas na lei! Escrutinar a actuação das Polícias, dos Magistrados, dos Juízes!

Procurar o erro ou a ilegalidade nos procedimentos da acusação!

Mas, e mais grave porque trata-se de um Magistrado, supostamente culto, com responsabilidades acrescidas e deveres acrescidos, mais grave e indigno porque experimentou o Sheol e sentiu na pele tudo, é, porque se pretende a redução do arresto dos bens, utilizar argumento excrementício que somente macula quem o invoca e suja quem se encontra na cloaca onde o mesmo vai desaguar!

Não consegue o Orlando pagar as prestações dos empréstimos da casa e do carro, as contas de água, luz e gás, as dívidas fiscais e até a comida? Caro Orlando, olhe para o copo meio-cheio: o excelente advogado que o representa que, para sorte sua, deve, com toda a certeza, só pode ser assim, estar a defendê-lo pro bono, ou como nós aqui no “Sheol” menos cultos, dizemos: “De Borla!”

Caro Orlando, não vale tudo! Não podemos pautar as nossas palavras e acções pela conveniência, pelo que para nós é vantajoso. É pouco cristão. Já abandonou, o Caríssimo, as leituras da Bíblia?

Ler a notícia invocada é sentir revolta e desaire, é todos os que ainda aqui estão sentirem-se gozados, e eu muito particularmente desiludido: “Onde está a associação cristã de apoio ao recluso?” “Onde está a denúncia e a acção para ajudar na reforma da Justiça?”

Como vai ajudar na reforma da Justiça, no esclarecimento dos nossos concidadãos, esta sua resolução de merda? (Perdoem-me!)

Agora vão mesmo pensar que isto aqui é que é bom: “Televisão, comida e cama lavada de graça!” Não havia necessidade, Dr. Orlando Figueira!!!

No artigo da “Sábado” pode-se ler: “[…] E só está autorizado pelo Tribunal a falar com os familiares e médicos, pois está a ser seguido por um psiquiatra[…]”

Orlando, Orlando, aqui são 2 horas de visita por semana, cinco minutos diários ao telefone e médicos… bom, você sabe como é com a assistência médica, não é?

Acompanhado por um psiquiatra? Olhe, eu não tenho disponibilidade económica para isso!

Vou auxiliar um pouco o seu psiquiatra: do contacto permanente e intenso que mantive com o Orlando aqui no “Sheol”, da observação que realizei in loco, creio que o Exmo. Sr. Procurador, Dr. Orlando Figueira, apresenta actualmente um quadro típico de perturbação dissociativa, nomeadamente Fuga Dissociativa, uma vez que deseja o afastamento súbito e inesperado de casa, e demonstra ser incapaz de recordar dados do passado.

Isso ou um forte surto de “conveniência e pressão judicial”.

Caro Orlando, ao ler a notícia, de imediato, como um “flash”, recordei as palavras do enorme Almada Negreiros, no seu “Ultimatum futurista às gerações portuguesas do séc. XX”: “Eu não pertenço a nenhuma das gerações revolucionárias. Eu pertenço a uma geração construtiva (…) É preciso criar uma pátria portuguesa do séc. XX. O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, portugueses, só vos faltam as qualidades.”

Coragem, Orlando! Deixe-se de Merdas! Quer ficar aqui preso? Faça como eu: tenha “declarações opiniosas futuras” que perturbam a ordem e tranquilidade públicas!

É um dos argumentos para a manutenção da minha prisão preventiva, V. Exa. sabe disso!

Coragem, Orlando! Como diria o Almada Negreiros: “Com esta notícia já nos presenteou com os defeitos, venham de lá as qualidades em falta!”

Abraço do João de Sousa, uma sombra no Sheol há 3 anos e 2 meses (preventivamente!)

 

 

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