“A Geringonça Fantástica da Maria Alice!”

Durante a semana em que a Coordenadora-Superior de Investigação Criminal da P.J., Dra. Maria Alice Fernandes (que designaremos por “testemunha Maria Alice” sempre que for invocada) prestou declarações, li o último livro do Mestre Umberto Eco publicado em Portugal, “História das Terras e dos Lugares Lendários” (Editora Gradiva).

O título do presente texto foi inspirado no livro antes invocado, na designação do actual governo (não se tratando de qualquer manifestação de apoio ou rejeição política da minha parte) e nas declarações da testemunha Maria Alice, assim como nos depoimentos das duas inspectoras que investigaram os factos em apreço no processo-crime no âmbito do qual encontro-me preso preventivamente.

Umberto Eco é citado muitas vezes nos meus textos. É um Mestre. Faleceu no dia 19 de Fevereiro de 2016. Grande humanista, semiólogo, filósofo, Mestre. A minha singela homenagem! Sit tibi terra levis!

Geringonça – substantivo feminino. Coisa malfeita, que ameaça ruína, obra maljeitosa e mal armada que ameaça desconjuntar-se.

Fantástica – adjectivo. Que se refere à imaginação. Quimérico, criado pela ficção.

A testemunha Maria Alice, quando eu fui detido, nunca apareceu, nunca a olhei nos olhos, nunca falei com ela! Eximiu-se a justificar o porquê de tudo isto!

11 de Fevereiro de 2016. 10h51. Estou sentado no banco dos arguidos, oiço os passos rápidos, nervosos, típicos da testemunha Maria Alice.

Eis que ela surge. Vem na minha direcção. Olho-a nos olhos: Maria Alice, nervosa, olha para mim e, de imediato, desvia o olhar para o chão. Nem passados praticamente 2 anos, consigo perguntar-lhe: o que dizem os teus olhos, Maria Alice?

É vergonhoso para a Polícia Judiciária, um Inspector da Instituição estar preso preventivamente e acusado, entre outros, do mais desonroso e aviltante crime de todos: corrupção!

Tão grande quanto a aviltação anteriormente descrita, é a abjeção (quiçá vileza) de investigar de forma leviana, imprudente, inconsideradamente (em relação à prova) e acusar um par, sujeitando-o à vergonha, à autêntica mortificação que é a prisão!

O nosso Fernando Pessoa, escreveu: “Tenho prazer em ser vencido quando quem me vence é a Razão, seja quem for o seu procurador.”

Einstein postulava: “É mais fácil romper um átomo do que um preconceito.”

Questionada a testemunha Maria Alice, questões colocadas pela Juiz-presidente, Procuradora do Ministério Público (acusação) e advogados dos arguidos, uma audiência estupefacta, um colectivo atento e muitos advogados incrédulos com o que ouviam (ainda que satisfeitos), escutaram respostas desta natureza:

“Quase com certeza, é a minha convicção, não vi!” ; “Não estava presente, não ouvi nada, não se sabe. Apenas se verificou através das intercepções telefónicas!” ; “Tenho 36 anos de profissão, não trinta e seis dias! (para justificar intuições, convicções pessoais)”.

Estou preso há praticamente 2 anos (faltam 36 dias!) e justificam a minha prisão porque existem, em liberdade, indivíduos que trabalhavam para mim, faziam segurança à associação criminosa, actividade a que eu me dedicava.

Questionada a testemunha Maria Alice sobre a minha actividade de segurança privada e sobre os meus perigosos colaboradores: “Os meios de investigação criminal de departamentos regionais, como é o caso do departamento de Setúbal, são escassos e eu não ia perder tempo e gastar recursos. Ao longo das escutas percebi que isso era conversa para o arguido […] por parte do arguido João de Sousa!” Isto foi declarado às 11h34, do dia 11 de Fevereiro de 2016.

Quando questionada, depois do almoço, no mesmo dia 11 de Fevereiro de 2016, sobre a insuficiência de meios do departamento de Setúbal e da necessidade de enviar o inquérito para a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da P.J., a fim de garantir a idoneidade e proficuidade da investigação, declarou que considerou não ser necessário porque dispunha de meios!!!

Após insistência da minha advogada, acrescentou que não tinha que prestar esclarecimentos sobre as suas opções de gestão!

A reconhecida e conhecida (internamente na P.J.) natureza mendaz da testemunha Maria Alice, traduziu-se, comportamentalmente, em episódios de comprometedor paroxismo histérico, que em nada dignificam 36 anos de profissão e que retiraram credibilidade ao seu testemunho assim como à investigação que coordenou.

Ainda que gritasse, esbravejasse, ao ponto de esbrasear a sua colérica face, foi notória a dissipação da sua força argumentativa, consequência da erosão da autenticidade e veracidade do seu testemunho.

Neste ponto, formou-se na minha mente, a imagem de uma Maria Alice, desengonçada, a conduzir fantástica geringonça, puxada pelo Sr. Procurador, Dr. João Davin, que, a toque de chicote, suando, esforçava-se para fazer a mesma andar.

E até nisto, a testemunha Maria Alice é falsa. Confrontada com o exército de advogados presentes, fruto do seu impune devaneio de querer constituir todos e mais alguns arguidos, numa desesperada tentativa de se eximir à responsabilidade de ter reunido uma mão cheia de nada e outra vazia de tudo, produz mais uma frase impensável: “Eu não li a acusação, eu não li o despacho de pronúncia, desconheço. A acusação não é da responsabilidade da P.J.!”

Então quem é que reune os indícios, os mesmos indícios que são cristalizados em prova e os apresenta ao Ministério Público?

Maria Alice, descarta-se da responsabilidade e o mais grave é que o Procurador, Dr. João Davin, firmou contrato ficcional com as palavras da Coordenadora da Investigação, Maria Alice Fernandes, e esta agora, unilateralmente, rescinde o contrato! Por outra(s) palavra(s): sacode!!!

No final da manhã, a testemunha Maria Alice pediu para interromper porque precisava de um copo de água. Recordei a China medieval e o método de apurar se o acusado ou a testemunha falavam a verdade. Eram colocados bagos de arroz na boca do(a) acusado/testemunha e solicitavam que cuspisse. Se não conseguisse fazê-lo, era porque mentia, uma vez que os nervos não permitiam a produção de saliva. Quanto à testemunha Maria Alice… não havia arroz disponível!

A investigação (Maria Alice), a acusação (Dr. João Davin, Procurador do Ministério Público) a pronúncia (Dr. Carlos Alexandre) e até a Relação, invocaram, para negar a alteração da minha medida de coacção, entre outros “pseudo-argumentos”, o facto de eu movimentar “quantias monetárias incompagináveis com a minha condição de funcionário público”.

Questionada a testemunha Maria Alice sobre dinheiro ilegítimo e corrupção: “Não posso afirmar que pagaram!”

Sobre a solicitação de um envelope ao meu co-arguido: “Não sei o que continha o envelope!”

Então, Dra. Maria Alice, o que existe sobre o Inspector João de Sousa?

“Se calhar encontrei razões” – afirmou a testemunha Maria Alice para espanto dos presentes! Não concretizou as razões.

A certa altura, confesso, senti comiseração, pena, piedade: 36 anos de profissão resumidos no mais embaraçante exercício de incompetência, irracionalidade e primitivismo intelectual!

Olhando-a, indefesa, colérica, enfezada ainda que anafada aos 60 anos (como se pode ver na fotografia que acompanha este opúsculo) afloram-me na mente, as palavras de Eça de Queirós:

“A nudez forte da verdade, sob o manto diáfano da fantasia.”

A transparência da fantasia da testemunha Maria Alice só serviu para realçar a crueza da verdade.

“Recuso-me a inventar o que não sei!” – chegou a declarar a testemunha Maria Alice.

No entanto, reconhecendo que nunca vigiou ou seguiu o Inspector João de Sousa, porque o mesmo detectaria, concluiu, presumiu, opinou, sentiu que era como achava que devia ser. Não verificando o que ouviu ou suspeitava, todas as minhas acções, ainda que desconhecidas pela investigação, foram, criminosas.

O saudoso Mestre Umberto Eco, na sua obra “História das Terras e dos Lugares Lendários”: “Tudo isso confirma que o mundo possível da narrativa é o único universo no qual podemos estar absolutamente seguros de uma coisa e o único que oferece uma ideia forte de verdade.”

Na narrativa da testemunha Maria Alice, tudo bate certo, tudo é verdadeiro, mas, na confrontação com os factos, com a prova, demonstrado encontra-se (em sede de Julgamento, momento da produção da prova) que a correlação é ilusória. Tudo pode ser, até ser necessário provar e quando surge a necessidade, nada se prova!

O Mestre Eco, na obra atrás invocada, fala de “Ucronia”: “[…] isto é, a narrativa do que teria acontecido se a história fosse diferente, assim como é possível escrever um romance sobre o que aconteceria no mundo se Napoleão tivesse vencido em Waterloo […]”

Se o Inspector João de Sousa tivesse recebido dinheiro da associação criminosa, se tivesse realizado vigilâncias e feito segurança aos seus co-arguidos, se, se, se… então eu render-me-ia à evidência, à prova, à cientificidade da investigação. Agora, independentemente do histrionismo ou histerismo do depoimento da testemunha Maria Alice, ainda que, tudo somado, possa ser matéria suficiente para a escrita de um romance, não é suficiente para 2 anos de prisão preventiva.

Outras pérolas (negras) da testemunha Maria Alice (sobre a investigação aos outros arguidos):

“Quase lhe asseguro que o ouro não ia para as guias!”; “Não tenho conhecimento de receptação nas lojas do Sr… “(quando este arguido está acusado de receptação!).

“Todos os cidadãos sabem que nessa altura [2008] existiam muitos assaltos” (para justificar a sua convicção de que, quem assaltava, vendia aos meus co-arguidos!) Acrescentando: “Tenho a certeza absoluta que não iriam comunicar a compra do ouro”. Atente o(a) Leitor(a):

“[…] que não iriam […]” (nem o chegaram a “não fazer”!)

Cereja no topo do bolo: “Não é preciso ver as coisas fisicamente porque hoje pode-se ver na “net”” (sobre os reconhecimentos e vigilâncias aos locais).

Deixem passar a geringonça fantástica da Maria Alice!

Antes de passarmos às minhas colegas que investigaram, coordenadas pela testemunha Maria Alice: algo muito grave! Algo que corrobora tudo aquilo que tenho denunciado em relação à coordenação da Dra. Maria Alice!

A investigação afirmou, provou, que um indivíduo foi vender grande quantidade de ouro roubado a uma loja de um arguido no processo.

Esse indivíduo, que confessou a venda e a autoria do roubo, foi citado no relatório final da P.J., na acusação e na pronúncia.

Em sede de Julgamento, apurou-se que o mesmo indivíduo, a 5 de Janeiro, foi absolvido da prática do crime de roubo do ouro em apreço, conforme acórdão do colectivo que o julgou. Mais, teria sido apontado por dois envolvidos no roubo e a P.J. de Setúbal não concluiu que o mesmo tinha praticado/colaborado no ilícito.

Dez dias depois, a 15 de Janeiro de 2015 (chegou a dizer-se que estaria na P.J. de Setúbal por causa de uma violação suspeitando-se que o mesmo seria o agressor sexual) junto dos colegas do D.I.C. da P.J. de Setúbal, confessou a autoria do crime de roubo do ouro (tinha sido absolvido 10 dias antes pelo tribunal) confissão que permitiu (felizmente para a investigação) reforçar a prova no “processo do ouro” que envolve um corrupto Inspector da Polícia Judiciária!

E fez-se silêncio no Tribunal do Seixal quando o advogado leu o acórdão mencionado!!

Quousque tandem… (“até quando…”): primeiras palavras da primeira oração de Cícero contra Catilina, quando este ousou apresentar-se ao Senado depois de se descobrir a conspiração que ele tramava contra a República.

Quousque tandem Maria Alice… quousque tandem… vou eu ficar preso depois de tudo isto a que se assistiu no Tribunal?

As minhas colegas que, de forma subserviente, bajulando a condutora da geringonça, apeadas, empurraram as quadradas rodas da mesma, sublimaram a incompetência da investigação:

“Não sei dizer”, quando questionadas; “Aos arguidos que foi possível fazer [análise, investigação] foi feita. Das situações que foi possível, de resto não foi possível” (existem 34 arguidos, 5 deles presos há praticamente 2 anos!)

“O que foi apreendido nas buscas não foi alvo de tratamento.”

Uma investigação ao comércio ilegal de ouro tem uma Inspectora responsável pelo inquérito que declara algo como isto: “Desconheço como funciona o sector de fiscalização da P.J.!”

Uma investigação onde estão presos preventivamente, arguidos acusados de branqueamento de capitais, a investigadora declara, quando questionada sobre a verificação do património de uma arguida presa: “Não me recordo!”

Quando a investigação sustenta as suas periclitantes conclusões no que ouviu nas intercepções telefónicas, a Inspectora responsável, quando confrontada com a descontextualização das conversas, afirma levianamente: “Não transcrevemos tudo nas escutas porque a senhora falava muito!”

Sobre cheques falsificados: “Não sabemos, não fizemos a perícia!”

Pasmem com estas: “Seria o ideal, mas não foi feito” (sobre diligências não realizadas); “Não fiz esse levantamento, mas creio que assim seja” ou, a melhor de todas, quando solicitada explicação para autos de busca com informação errada, assim como objectos  que não foram descriminados: “Não me parece que consiga explicar!”

Um dos meus co-arguidos está acusado de me corromper. Nunca conheci o indivíduo, nunca mantive contacto(s) com o mesmo.

Questionadas, as Inspectoras, sobre as provas da corrupção: “Não, nunca se apurou que o Sr.[…] tinha relação com o arguido João de Sousa. Nunca foi mencionado o nome do arguido João de Sousa!”

A certa altura, confrontada a Inspectora titular do inquérito, com o facto de o relatório final da mesma estar a ser contraditado pelo que expunha em sede de Julgamento, um Tribunal boquiaberto ouve estas palavras da sua boca: “Isso é o que consta no meu relatório, mas não me parece que assim seja presentemente.”

Deixem passar a geringonça fantástica da Maria Alice!

A Sra. Inspectora crê que assim seja, mas tem suporte factual?! – insiste o causídico.

Não, mas de certeza que faziam! – responde a investigadora.

Dois anos preso. Dois anos longe da “ninhada”, da minha mulher, dois anos sem ordenado, dois anos sujeito a tudo isto!

Ah! Mas esta gente da geringonça, que sacudiu a responsabilidade de uns para os outros, até chegar aos elementos da Autoridade Tributária, ainda que titubeantes, inseguros, quando eram solicitadas explicações, transformaram-se, exibiram a sua fereza e seguros, peremptórios, afirmaram: “O arguido João de Sousa é culpado!”

Culpado do quê?

Apuraram se alguém, dos 33 arguidos, deu dinheiro ao culpado João de Sousa?

“Não faço a mínima ideia se lhe deram alguma coisa!”

O que estava no envelope, que o culpado João de Sousa solicitou ao seu co-arguido?

“Não sei o que estava no envelope!”

Viram o culpado João de Sousa a fazer vigilâncias ou serviços de segurança a outros arguidos?

“Nunca observei. Acho que não!”

Investigaram as contas bancárias do culpado João de Sousa?

“Não sei!”

Mas será culpado, tem de o ser. A geringonça, conquanto as rodas sejam quadradas, tem que andar!

Uso indiscriminado do verdadeiro e do falso. Ausência de prudência atendendo às consequências.

Falta de rigor. Cientificidade ausente. Mesquinhez. Estultícia. Mentira.

Assim está carregada a imóvel geringonça fantástica da Maria Alice.

Tudo muda, tudo passa.

Dia 19 de Fevereiro de 2016 um grande Mestre faleceu: Umberto Eco.

Eco dizia que o fascinava a estupidez humana.

Eu ainda estou preso, mas vai passar um dia.

Mas nem tudo passa ou se modifica: a Maria Alice será sempre motivo de fascínio para o Mestre Umberto Eco, onde quer que ele esteja. Sim, porque a maldade é inteligente e a Alice não consegue ser verdadeiramente má!

Até breve, Mestre!

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